Viajar de veleiro



A maravilha de se viajar de veleiro é que basta que se decida ir para algum lugar, tudo que se tem que fazer é levantar a âncora,içar velas e ir embora.Essa sensação de liberdade é fabulosa,é quase como ter asas e voar livremente,basta bate-las.

Helio Setti Jr.

Tem que ir, ver e sentir!


"...Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu, para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor, e o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o seu próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver..."


Amir Klink



quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Um pouco da história náutica I

 
I. Capítulo - As Fragatas à Vela

       Fragata Espanhola de 1710 (?)
A fragata portuguesa S. João Baptista, referida pelo comandante Marques Esparteiro em “Três Séculos no Mar”, foi, sem dúvida, uma das primeiras unidades da nova arquitectura naval que se impôs na vela até ao Século XIX.
A São João Batista parece que foi uma das duas fragatas espanholas apresadas na Ilha Terceira, mais propriamente no Porto Judeu, quando juntamente com uma nau iam levar reforços aos espanhóis que no Castelo de S. Filipe na Ilha da Terceira estavam sitiados pelos açorianos. Estes,  tinham já aclamado D. João IV como seu monarca, tal como o resto do país que acabou com os Habsburgos (Filipes) como reis de Portugal.
Quando as primeiras velas espanholas apareceram à vista da população foi grande o alarido e medo, mas o capitão Roque do Figueiredo, ex-sargento mor da capitania da Praia, meteu-se num barco a remos com vários soldados armados de mosquetes e foi-se à fragata espanhola, saltando de espada em punho a gritar aos espanhóis que se rendessem. Os restantes soldados do escaler subiram igualmente a bordo, o que levou o capitão da fragata a render-se e entregar as chaves dos paióis da pólvora e das dispensas. Figueiredo terá ficado capitão da primeira fragata de guerra da marinha portuguesa. O mesmo aconteceu com a Nau que foi tomada com grande coragem e energia por Mateus de Távora Valadão que a abalroou como se quisesse ir à fala com o capitão da mesma, intimando-o a passar para o serviço de D. João IV. O capitão português da nau não quis obedecer e a mesma levou uma descarga de mosquetes que abateu três castelhanos, levou um braço do piloto e uma perna de um infeliz castelhano que veio a falecer em terra.
A outra fragata espanhola velejava mais atrás e, como tal, não viu o que se passava porque tinha ainda que dobrar um pequeno cabo com uma montanha. Ao ver as duas velas espanholas já tomadas pelos portugueses aproximou-se confiante que ainda estavam em mãos castelhanas. Conforme se aproximava, assim os portugueses senhores da nau e da fragata abriram as portinholas da artilharia e intimaram a fragata a render-se sob pena de levar duas bordadas de artilharia. Claro, ainda não havia guarnição lusa suficiente para os disparos, mas ninguém sabia disso na fragata vinda de San Lucas de Barrameda que se rendeu.
Curiosamente, as primeiras fragatas francesas e inglesas foram também tomadas a espanhóis que as copiaram dos holandeses.
A Origem Holandesa Da Fragata

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Os estaleiros da então existente República das Sete Províncias, como se chamava a Holanda, deverão ter construído as suas primeiras fragatas por volta de 1600 durante a guerra dos oitenta anos ou da Flandres contra os espanhóis. A nova tipologia obedecia a três imperativos estratégicos e tácticos: proteger a linhas de navegação holandesas, bloquear os portos da Flandres detidos pelos espanhóis, perturbando o comércio marítimo e, por último, combater as armadas hispânicas e impedir o desembarque de tropas. As duas primeiras tarefas requeriam boa capacidade de manobra e velocidade e a última impunha um armamento relativamente poderoso.
Quase no fim da guerra dos oitenta anos (1568-1648), os holandeses abandonaram o uso de naus grandes ou navios de linha para passarem a navegar em grande quantidade nas fragatas mais ligeiras e rápidas e terão sido vendidas muitas à França e a outros países. O Padre António Vieira recomendou a D. João IV a compra de fragatas holandesas por 12 mil ducados cada, tendo mesmo chegado a um acordo com financiadores judeus de origem portuguesa, mas parece que o negócio não se concretizou.
As pesadas naus e os enormes galeões espanhóis e portugueses sofreram três grandes derrotas na zona do Canal da Mancha: a da Grande Armada em 1587 pelos ingleses, a destruição na baía de Guétary da Armada de Don Lope de Hoces em 1638 pelos holandeses e franceses que tinham entrado na guerra dos 30 anos e atacaram a Espanha e a da batalha das Dunas no Canal da Mancha pelos holandeses.
A batalha das Dunas marcou o fim dos Galeões como grandes navios de combate e deu lugar à adopção das fragatas e naus sem acastelamentos.
A essas fragatas, ainda com um pequeno acastelamento, os franceses denominaram “Frégate”, sendo a primeira a “Princesse” tomada perto de Dunquerque e daí a designação de fragata de Dunquerque. Tal como as restantes fragatas, deslocava 400 toneladas e apresentava uma só coberta de artilharia e um bordo liso relativamente alto quando comparado com as naus de duas ou mais cobertas com portinholas para as bombardas e outros canhões. O arsenal de Brest copiou logo essa fragata e construiu a “Cardinale” e a “Royale”.
Nessa altura, não se sabia bem se a falta de castelos da popa era benéfico ou não, porque os navios mais rasos eram aferrados e tomados com facilidade. Só mais tarde é que se verificou que a velocidade aliada à dispersão dos soldados e canhões ao longo de todo o navio eram vantagens que a arquitectura militar náutica passou a fazer uso, tanto para os navios menores, as fragatas, como para os maiores, as naus ou navios de linha como diziam os franceses e ingleses. Os povos peninsulares levaram muito tempo a adoptarem a manobra em detrimento do grandeza e do poder de fogo e encaixe, pois os canhões de então não afundavam qualquer galeão ou nau portuguesa ou espanhola, mas podiam acertar nos mastros, avariar o leme ou destruir as enxárcias e furar as velas, o que acabava por ser prelúdio para a abordagem e assalto. Mas, não é de deixar de referir que os portugueses tinham percebido que navios de menores dimensões que as naus sem acastelamento de proa e um menor na popa eram muito mais manobráveis e serviam melhor para o combate. Esses navios de 500 toneladas foram os Galeões lusos que dominaram os mares durante quase dois séculos, apesar da enorme lentidão em aparelharem e colocarem-se numa posição adequada à batalha e foi isso que aconteceu na Batalha das Dunas. Os galeões e naus não se mexiam enquanto as ligeiras fragatas holandesas iam destruindo os seus inimigos com rápidas passagens por perto em ângulos letais.
Na tipologia naval francesa e inglesa, a fragata aparece pois na época dos Filipes antes de 1640, mas parece que só após a guerra anglo-holandesa de 1665-1667 é que as fragatas e naus sofreram uma importante modernização, tanto nas linhas dos cascos como no velame e armamento e que levou quase um Século a concretizar-se. As verdadeiras fragatas e naus semelhantes, mas maiores, só formaram o esqueleto das marinhas de guerra a partir de 1750, fundamentalmente a partir da fragata francesa “Médée” de 1740 tida como o modelo clássico da fragata de vela que pouco ou nada evoluiu até ao aparecimento da máquina a vapor.
Na generalidade, tanto as fragatas ligeiras como as maiores arvoravam três mastros verticais, o mastro do traquete, o grande e o da mezena com a verga latina atravessada obliquamente ou da gata com a vela quadrangular latina para a ré do mastro e metida em duas vergas, a retranca e a carangueja que apareceram por volta de 1745 quase ao mesmo tempo em que surgiu a roda do leme. Os dois primeiros mastros tinham mastaréus, ambos para pano redondo. O terceiro mastro armava pano redondo por cima do já referido pano latino e no final do século XVII desaparecem as velas da proa denominadas cevadeira e sobrecevadeira que eram consideradas pelos marinheiros como mais mortais que os canhões dada a grande dificuldade em as arvorar, sendo substituídas por velas latinas de estai com outro mastro quase horizontal, o pau de bujarona, destinado a segurar as referidas velas latinas de proa que tendiam a levantar pela pressão do vento.
A fragata era pois um navio mais manobrável e ligeiramente mais rápido que as naus ou navios, desprovidos de acastelamentos, providos de uma simples coberta superior ou mais modernamente de uma casa do leme.
Apesar dos Galeões portugueses serem já verdadeiros navios de guerra é nos finais do século XVIII que os navios de guerra se diferenciam completamente dos mercantes, passando a dispor de um armamento muitíssimo superior. Os navios de guerra característicos do século XVIII são a nau e a fragata, a primeira dispondo de 60 a 120 peças distribuídas por duas ou três cobertas e a segunda dispondo de 20 a 50 peças distribuídas por uma ou duas cobertas. Complementarmente havia navios mais pequenos como o brigue e a corveta, geralmente com dois mastros. Desaparecem as galés a remos e vela e os brulotes que eram pequenos navios cheios de pólvora destinados a explodirem junto dos barcos inimigos. A artilharia naval passa a utilizar granadas incendiárias, mas a sua potência era muito fraca, sendo raríssimos os casos de navios afundados a tiro de canhão, incendiados ou tomados à abordagem. A batalha naval passa a resumir-se a um demorado duelo de artilharia, com os dois adversários rigorosamente formados em coluna, de que a maior parte das vezes resultam apenas avarias mais ou menos graves na mastreação e no aparelho e um número limitado de mortos e feridos. Quando o comandante de um navio entende que o adversário desfruta de nítida vantagem e já sofreu alguns estragos e baixas, rende-se, sem que isso seja considerado desonroso.
Na Marinha Portuguesa, o galeão, que tão má conta dera de si durante o período das lutas contra os ingleses e contra os holandeses, é finalmente substituído por naus e fragatas modernas copiadas das francesas e inglesas. Os capitães de naus mercantes (com o título de capitães-de-mar-e-guerra) e oficiais estrangeiros, especialmente ingleses, substituem os nobres no comando dos navios de guerra, já que a classe dominante de então não estavam para enfrentar os trabalhos e canseiras inerentes à actividade naval.
Em Portugal, sob a esclarecida orientação do ministro Martinho de Melo e Castro (1770-1795), surgem os novos navios de guerra que no reinado de D. Maria I são de excelente qualidade. No aspecto quantitativo, a Marinha de Guerra Portuguesa, ao longo de todo o século XVIII, apresenta uma dimensão adequada para a defesa da navegação nacional contra os ataques dos corsários mas não para que possa ser utilizada como um trunfo no jogo da política internacional.

Fundamentalmente, a tipologia da fragata caracterizava-se por ser menor que as naus, sem acastelamentos, com um convés corrido no todo ou nos bordos e um vau central e uma só coberta armada de canhões protegidos pela típicas portinholas da marinha de vela. Era navios ditos de uma só coberta para se diferenciarem das naus que apresentavam duas ou mais cobertas armadas, mas as fragatas tinham na verdade uma segunda coberta não armada por baixo da primeira em que se aboletava parte da guarnição e se armazenavam mantimentos e outros pertences do navio. Claro, houve fragatas com duas cobertas armadas ou com canhões no vau do pavimento central metidos numas casamatas de madeira. Também o número de peças de artilharia e deslocamento variou muito com os tempos.
A fragata fazia com facilidade doze nós e com bons ventos chegava aos 14. Os navios grandes também podiam chegar por perto mas necessitavam sempre de mais vento e a manobra era sempre mais difícil. A ausência de acastelamentos reduzia a superfície oposta ao vento, o que melhorava o andamento.
As portinholas de artilharia estavam por cima da primeira coberta, pelo que as fragatas apresentavam geralmente um bordo liso mais alto, o que permitia o combate com mar agitada nas mesmas condições que as naus ou navios de linha que tinham de fechar as portinholas da coberta mais rente à linha de água. Por outro lado, a fragata veleira, sendo mais rápida, proporcionava uma maior cadência de tiro que a nau. Os reparos antigos levavam muito tempo a carregar pelo que numa passagem rápida junto a um navio inimigo a fragata disparava rapidamente e afastava-se para carregar as peças, voltando ao tiro, enquanto a nau ainda não tinha carregado todas as suas peças.
A fragata surge como produto de uma pensada arquitectura naval com base em muita experiência de combate. Mas, curiosamente, alguns historiadores dão como sendo as duas primeiras fragatas, as inglesas “Constant Warwick” e “Adventure” de 1646, destinadas à pirataria, o que só é verdade para a marinha inglesa. A Coroa Inglesa dedicou-se desde muito cedo a armar navios piratas e a regulamentar muito bem o destino dado às riquezas roubadas principalmente aos navios ibéricos. Para combater naus mercantis, mas armadas, mesmo navegando de conserva (comboio) com a protecção de galeões, as fragatas piratas tinham de manobrar melhor.
Os ingleses capturaram nas guerras com os franceses algumas fragatas e ficaram inicialmente entusiasmados com a excelência do desenho e capacidade de manobra, mas depois descobriram a grande verdade da arquitectura naval; cada vantagem traz algo contrário a ter em conta.

Postado no http://naval.blogs.sapo.pt/

Um comentário:

  1. «Era navios ditos de uma só coberta para se diferenciarem das naus que apresentavam duas ou mais cobertas armadas, mas as fragatas tinham na verdade uma segunda coberta não armada por baixo da primeira em que se aboletava parte da guarnição e se armazenavam mantimentos e outros pertences do navio.»
    Li com muito interesse este seu texto no decurso das minhas pesquisas para a tradução de um livro sobre uma expedição marítima. Estou justamente à procura do nome português desta «segunda coberta» (aquela a que no esquema que apresenta se chama orlop deck). Poderia ajudar-me? É correcto chamar-lhe simplesmente segunda coberta?

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